domingo, 20 de maio de 2012

Eu não sou nada

Deus meu eu vos espero, Deus, vinde a mim, Deus, brotai no meu peito. Eu não sou nada, e a desgraça cai sobre minha cabeça e eu só sei usar palavras e as palavras são mentirosas, e eu continuo a sofrer - afinal o fio sobre a parede escura -. Deus, vinde a mim e não tenho alegria e minha vida é escura como a noite sem estrelas e Deus, porque não existes dentro de mim? Porque me fizeste separada de ti? Deus, vinde a mim, eu não sou nada, eu sou menos que o pó e eu te espero todos os dias e todas as noites. Ajudai-me, eu só tenho uma vida e essa vida escorre pelos meus dedos e encaminha-se para a morte serenamente e eu nada posso fazer e apenas assisto ao meu esgotamento em cada minuto que passa. Sou só no mundo, quem me quer não me conhece, quem me conhece, me teme e eu sou pequena e pobre. Não saberei que existi daqui a poucos anos. O que me resta para viver é pouco, e o que me resta para viver, no entanto, continuará intocado e inútil. Porque não te apiedas de mim, que não sou nada? Dai-me o que preciso. Deus, dai-me o que preciso, e não sei o que seja, minha desolação é funda como um poço e eu não me engano diante de mim e das pessoas. Vinde a mim na desgraça e a desgraça é hoje, e a desgraça é sempre. Beijo teus pés e o pó dos teus pés. Quero me dissolver em lágrimas. Das profundezas chamo por vós, vinde em meu auxílio que eu não tenho pecados. Das profundezas chamo por vós. E nada responde e meu desespero é seco como as areias do deserto e minha perplexidade me sufoca, humilha-me, Deus, esse orgulho de viver me amordaça - eu não sou nada -. Das profundezas chamo por vós. Das profundezas chamo por vós. Das profundezas chamo por vós. Das profundezas chamo por vós.


(Trechos do livro 'Perto do Coração Selvagem', Clarice Lispector).

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